YOGA E DANÇA: UMA HISTÓRIA DE ARTE

“ O Yoga enquanto prática é arte.

   O Yoga enquanto expressão é beleza.

  O Yoga enquanto conhecimento é poesia.”

– Tales Nunes –
A dança cósmica de Shiva e Parvati

Os antigos sábios distinguiam o conhecimento do mundo do conhecimento da alma.

Sabendo que o Homem existe como ser físico, mental e espiritual, desenvolveram diversas artes para que a trindade do Homem fosse trabalhada de modo ritmíco, sistemático e uniforme.

Na visão dos antigos, o Homem é um microcosmos que resume em sí o macrocosmos, Universo. Nessa visão, as leis de regem a origem e a evolução do Universo são, exactamente, as mesmas leis que regem a existência humana e, o sistema universal de leis não conhece, na sua manifestação, a permanência estática. Tudo acontece por meio de uma dinâmica caracterizada pelo movimento.

“Na verdade, somos acompanhados por todo um Universo dançante.”

– Ruth St Denis –

O Homem é naturalmente dinâmico. Mesmo ao optar por quietude, o coração bate, a respiração flui e todos os sistemas actuam. Porém, quando opta pelo movimento, as acções são inconscientes e, muitas vezes disconectadas de intenção.

Então, como a prática de Yoga influencia a criação de movimento consciente através da arte da dança?

Yoga e Dança


A prática de Yoga e Dança reflecte uma forte ideologia filosófica, da qual emergem múltiplas perspectivas sobre a conexão entre o corpo e a mente, numa aproximação experimental não dualista. 

Esta reflexão mostra o explorar da condição humana e o mundo que habitamos de modo terreno e temporal, tanto subtil como tangível. Revela a conexão entre o corpo não visto e a densidade da nossa massa, o conhecido e o desconhecido…o limite entre o mundo manifesto e o espaço criativo.

A perspectiva holística da ligação corpo-mente pode ser explorada através de diversas lentes, perspectiva que se revela e ilumina no fluir de cada prática, de cada momento de dança; “corpo gestual”, “corpo acentuado”, “corpo espiritual”, “corpo energético”, “corpo reflexo”, “corpo ambiental” e “corpo ecológico”. São estas perspectivas que reflectem o momento imediato do corpo em movimento, a sua experiência sensorial e o inefável processo criativo.

“Sendo o Yoga a raíz de toda a arte, é complementar e suplementar para a dança”

– B.K.S. Iyengar –

Yoga é a expressão subjectiva de um sentimento experimentado; dança, é a expressão artística das emoções, gestos e comportamentos de um yogui experiente .

Yoga é acção, externamente estático mas dinâmico para dentro enquanto a dança é movimento e dinâmica para fora, é o incorporar da música na sua forma visual.

Yoga e a dança são concebidas como práticas espirituais que facultam o acesso aos corpos energético, espiritual e ritual bem como a faculdades físicas como força, flexibilidade, ritmo, consciência, transferência de peso e conexão com o solo através dos pés, pernas e pélvis.

Yoga e Dança: arte e devoção

A dança e o yoga são instrumentos de devoção, uma forma de recuperação do corpo, uma aproximação espiritual, um poder enraizado e móvel que proporciona um processo de contínua transformação que nos proporciona uma visão dinâmica da vida, dos indivíduos e do Universo. Yoga tem três tipos de movimentos: tivra (intenso), madhyama (médio) e mrdu (suave). Assim, também na dança há tandava (vigoroso) e lasya (suave e lento) com abhinaya (gesto, acção ou expressão emocional), bhava (disposição e sentimento) e rasa (sensação ou sentimento que prevalece num gesto ou personagem) .

 É aqui que se revelam várias formas de sentir e observar ao incorporar perspectivas de corpo e mente, fazendo surgir:

Mudrá e o corpo gestual

Gestos simbólicos podem indicar diversos estados de consciência e, dentro de uma prática de Yoga, as mudrás são expressas nos ásanas como forma de intensificar o seu efeito. São uma forma de narrativa, uma forma de selar os circuitos energéticos.

Mudrás e o Corpo Gestual

“O corpo humano tem, em cada lado, cinco dedos nas mães e cinco dedos nos pés. Tal deve-se ao facto de o corpo ter cinco fluxos de energia prânica que terminam na extremidade de cada dígito. Conduzir estes diversos fluxos de energia em circuitos fechados, selando-os, é uma das formas pelas quais as mudrás atingem o seu efeito.”

– Bhavanan Balayogi & Bhavanani –

            Dentro da prática de dança, existe a consciência de que a articulação de um gesto abstracto pode conter uma determinada emoção ou, simplesmente, evocar uma atmosfera particular ou estado de consciência. As mudrás inspiram o desenvolvimento de um novo vocabulário, o entrar num diálogo como o corpo onde a resposta surge de uma forma espontânea e intuitiva.

Nritta e o corpo acentuado

Explorar as fronteiras do som e movimento mostrando as formas como se relacionam, suportam e opõem entre sí fazem nascer o improviso no movimenti.

Em termos musicais, o acento surge quando um som é enfatizado. No movimento, a acentuação é experimentada ao descobrir o diálogo entre música e dança; o movimento é uma representação directa do som, partilhando o mesmo papel ao criar um diálogo sustentado.

Yoga é a beleza em acção e a dança a beleza em movimento.

De acordo com a tradição do Yoga, os ásanas surgiram da observação do movimento de animais, do meio ambiente bem como dos arquétipos presentes na imensa cultura mitológica Hindu.

A sua prática consciente das sensações internas e dos sistemas fisiológicos proporciona um conhecimento cinético do corpo. Como o Yoga possui ásanas, então há karana na dança, que nada mais são do que posturas . As posturas inspiram pontos de partida que se dissolvem em explorações do movimento, facilitam pontos de quietude, descanso, pausa e reconexão.

Movimento e o Contacto Acentuado

A prática de ásana cultiva a capacidade de criar espaço em redor de si mesmo, espaço que testemunha o corpo e a mente, direccionando para estados superiores de consciência. O movimento tem um forte sentido de peso e conexão que viaja através dos pés, ultrapassa o chão e penetra na Terra, uma experiência inata e instintiva que faz a ligação à natureza.

O contacto físico dos pés com o chão está pleno de sacralidade, pois precipita a existência; o que está adormecido é animado pelo contacto dos pés.

Rasa e o corpo espiritual

Yoga é uma apresentação subjectiva que exibe gesto, posição e expressão no ásana, pránáyámá e dhyana. Yoga é uma experiência interna e sentimento de integração do corpo, dos sentidos, da mente e da inteligência com o EU.

A dança é uma expressão externa de pensamentos, paixões e acções.

“Yoga é o caminho da involução e da renúncia (nivrtti marga) e a dança é o caminho da evolução e a aceitação de toda a criação (pravrtti marga). No entanto, os caminhos da acção (karma), devoção (bhakti) e conhecimento (jnana) são misturados belamente em ambas as artes. Para um yogi, é importante tratar o corpo como templo da alma e, cada movimento como mantra ou  japa, onde cada ajuste é o significado do movimento e cada experiência é sentimento…assim também o é na dança.

– B.K.S. Iyengar –

Rasa descreve o temperamento de uma actuação, a essência, a lente pela qual uma actuação ou prática deverá ser experimentada, sentida, vista, discutida e descrita.

O papel central das artes performativas e o abraçar de rasa, consiste em evocar a criatividade divina e a transcendência da experiência mundana, um ritual na Natureza. O papel central é o de integração harmoniosa do indivíduo consigo mesmo com a natureza; é através desta prática de imersão que surge o corpo espiritual.

“A Criação é a dança.

O Divino é o bailarino.

Shiva é o Bailarino Cósmico.

Quando te tornas a Dança, tornas-te um Yogi.”

– Sadhguru –

A prática de yoga é uma experiência dinâmica interna e, a dança manifesta externamente essa experiência interior.

Tanto o yoga como a dança brilham como formas imortais e expressam-se através da moldura do corpo e a consciência.

Prana e o corpo energético

Pranayama, o veículo do movimento

A respiração é o lugar onde podemos continuamente começar e regressar e, é a consciência do acto de respirar que suporta os caminhos do movimento, o desenvolvimento da fluidez e o enraizamento.

A respiração oferece o sentido de libertação e suavidade enquanto o movimento acontece.

A forma como se inicia a respiração determina a qualidade do movimento, da figura, da postura. Determina a expansão do corpo na sua plenitude, a quietude da mente e o aflorar da beleza interna que reside em cada prática de yoga e, em cada momento de dança.

A prática de pránáyámá, em conjunto com a prática de ásana ou dança, permite experienciar uma imensa fluidez de energia em direcções opostas, uma expansão multidireccional do corpo, onde meridianos de energia emergem por todo o sistema (nadis). É esta expansão que informa o corpo da sua conexão com o espaço envolvente bem como com a sua consciência dentro do próprio espaço.

Shiva Shakti, Prana e Nadis

No yoga e na dança, o corpo energético subtil é activado através de uma forte consciência e atenção na respiração tal como a sua circulação em todo o sistema.

A atenção dirige-se para onde fluir a energia e, o corpo subtil torna-se visível pelo cultivar da consciência sobre sí.

O foco da atenção no sistema interno faz com que todo o corpo se transforme em visão e, o diálogo constante com o corpo energético faz com que circulemos pelo espaço com várias qualidades de movimento.

O corpo ecológico e o corpo ambiental

Além do corpo energético que, com os seus meridianos multidireccionais, se estendem do interior para se relacionarem com o meio envolvente, surge um forte desejo de comunicar com o ambiente, aumentando o encontro do centro interno com o mundo exterior.

 A prática de yoga trás consigo a capacidade permanecermos activamente ligados a um estado de consciência corpo-mente, enquanto nos encontramos e respondemos ao mundo por meio dos sentidos. E, é através desta capacidade que o yoga fornece, que a dança se torna mais lúcida na conexão com o meio ambiente e sistemas ecológicos.

 Acredita-se que muitos ásanas tiveram a sua origem e, inspiração, na observação do movimento animal e paisagens naturais.

Na dança, explora-se a resposta inata do corpo ao meio ambiente e, o delicado equilíbrio entre a arquitectura interna do corpo e a sua relação sensorial com o meio envolvente .

Quietude e o corpo reflexo

A quietude é um princípio fundamental do yoga.

Quietude do corpo, respiração, mente e espírito.

A quietude promove um acalmar da mente, a libertação do apego dos pensamentos, conceitos, aparências e julgamentos para que se possa experimentar a consciência pura

            Quietude e pausa facilitam o assentar, o centrar…facilitam uma percepção profunda, libertação e abertura. É uma viagem rumo a um estado de consciência e imaginação.

Quietude e conexão com a respiração são a chave de acesso para a consciência através de estados de relaxamento profundo, que fazem surgir uma sensação de calma, equilíbrio, foco e clareza, através das quais o corpo reflexo evolui constantemente.

É este iluminar da consciência corporal que faz o percurso para o auto-conhecimento e suporta o explorar de novas vias e formas de movimento.

O ampliar da consciência permite escolher o movimento e, são os momentos de pausa que criam aberturas que podem ser preenchidas com significado, sentimento, com interpretação pessoal.

A prática de yoga ajuda a saber ouvir os instintos e a sabedoria do corpo, a sua verdade única, pessoal, o mestre e professor interno que permite ter a confiança de questionar e expandir a consciência do EU na sua totalidade e, é através dessa verdade que um bailarino ganha a sua voz.

A relação existente entre yoga e dança é dual como a própria existência, óbvia e subtil, forte e sublime. A sincronicidade presente nestas duas formas de arte fazem-nas complementares.

Dança e Yoga poderão ser descritos como dois rios que fluem de uma mesma fonte e, em simplicidade referem-se ao movimento guiado pela respiração, prana o elo de ligação comum, a força vital que move tanto o yogi como o bailarino.

Dentro deste tema, muito poderia ser trabalhado, explorado e apresentado. Desde a meditação na dança, até à sua espiritualidade em movimento.

Tudo é Yoga e tudo é Dança numa unificação dos estados de consciência.

Bailarinos e Yogis usufrem belamente de ambas as práticas.

O Ser Humano é naturalmente dinâmico, mesmo quando opta pela quietude, o coração bate, a respiração flui e todos os sistemas funcionam.

Ao escolher movimento, as acções são inconscientes e desconectadas da intenção. O Hatha Yoga convida a consciência nas acções, quer voluntárias ou involuntárias, de modo a que haja uma maior atenção no movimento, na respiração e como entrar numa tranquilidade meditativa. Desta forma, Hatha Yoga abraça o fluir, abraça a Dança, o dinamismo consciente do movimento dentro e entre casa postura, cada pose ou passo.

Boas Práticas!

Boas Danças!