sobre a estética do āsana

 Āsana é a técnica mais visível (e mais conhecida) dos Oito Ramos do Yoga, pois são as posições psico-físicas que o corpo desenha ao longo das práticas.

No Yoga Sutra II:46, Patañjali definiu āsana como uma prática que deverá ser firme, estável e confortável.

sthira sukham ásanam

E, são vários os textos que nos indicam que a nossa presença no corpo deve fazer com que nos sintamos bem, estáveis e confortáveis.

fonte: Pinterest

“A posição torna-se perfeita quando desaparece o esforço para a realizar, de forma a que não haja mais movimentos do corpo.”

(Vyasa)

“Aquele que pratica o āsana deverá treinar-se persistentemente no sentido de suprimir os esforços naturais do corpo. De outro modo a posição ascética de que aqui se fala não poderá ser realizada.”

(Vachaspati)

Na prática de āsana, é sempre importante relembrar que é o corpo que se aproxima da postura, e não o contrário. O corpo desenha as linhas de āsana consoante o seu sentir, o seu próprio entender e a sua própria estrutura. A aproximação do corpo à postura é uma eterna dança que se vai manifestando externamente à medida que o mundo interno se revelar. Em qualquer ásana, o corpo deve ser tonificado e a mente sintonizada para que a permanência na postura possa ser mais longa e com uma mente mais firme.

O estudo do āsana mostra-nos com muita verdade que é pela dedicação, observação e entendimento das transformações que ocorrem em cada um de nós que a própria postura surge…revela-se como uma flor a brotar.

A postura surge quando o corpo desenha linhas que nos remetem para as mais incríveis viagens, numa manifestação de belo, numa manifestação da própria estética do āsana.

Para a beleza, não conseguimos definir princípios gerais; o que é bele varia com a cultura, com o olhar. Não é algo exterior, não é algo que está visível no objecto em si, mas no olhar de quem o aprecia.

Na verdade, a apreciação da beleza é algo imediato que surge da contemplação da Vida que somos. É um encontro connosco mesmos, onde existe entrega, espontaneidade e, transcendência. Não há separação.

Esta atitude interna de observação contemplativa do belo, conduz a uma aceitação profunda. Não só do que é observado, mas de quem observa…é algo que descontrai, que faz abrir caminhos e derrubar barreiras em relação a nós mesmos e que aumenta a sensibilidade

A naturereza e a arte, em todas as suas formas, têm esse poder imenso e intenso de nos elevar.

Tal como a poesia utiliza palavras para transcender a linguagem, o Yoga usa o corpo para ir além da forma.”

(Jason Bowman)

A prática de āsanas encerra em si esse poder transformador. Quando nos entregamos, entramos em constante contacto com as forças do nosso corpo (e das que nele actuam) e com os elementos presentes, entramos em contacto com a própria Natureza no nosso corpo. Desse encontro, surgem posturas…da mesma forma que surge uma pintura numa tela, que uma música é composta ou uma peça dançada.

Existe tanto de Arte no Yoga, como de Yoga na Arte e, esse é um percurso .

Na prática de āsana, o corpo campo de apreciação e de todas as forças e acções físicas, emocionais e mentais. Entendermos que não deveremos nunca comprometer a integridade do nosso corpo somente pela gloriosa conquista de uma postura, aceitamos que exitem limites no corpo físico…assim como existem limite na concretização de qualquer obra de arte.

Entrar numa batalha contra os limites físicos do corpo para caber num ideal estético não tem qualquer compatibilidade com a conduta de auto-entendimento, aperfeiçoamento, cura e evolução. Porque…esse ideal não existe!

Porque embora limitados, somos livres na nossa essência.

Há tantas posturas no Hatha Yoga quantos seres vivos no planeta! Cada um de nós desenha a sua própria assinatura na prática, cada um de nós expressa a sua própria mensagem e a sua própria arte.

A forma como aceitamos a prática de Yoga é a forma como aceitamos os desafios que a vida nos proporciona e, este mergulho no Yoga é uma abertura interna para a contemplação do momento presente, permitindo que o corpo flua e flutue dentro dos seus próprios limites…sem críticas ou julgamentos.

A mais pura essência da prática de Yoga está na aceitação do corpo tal como ele é, na sua perfeita impermanência. A aceitação atenta e desperta de que a verdadeira apreciação da beleza é a forma viva do corpo, é a sua presença, é uma contemplação que vai para além dos limites óbvios da forma, vivenciando-a no movimento presente.

O aceitar atentamente o corpo tal como é, tem a mesma força em aceitar a vida fora da prática tal como é, sem que nos invadam distracções que nos façam perder os magnificos espectáculos que a natureza nos oferece diariamente.

O Yoga oferece-nos a oportunidade de aprendermos a desfrutar das maravilhas que só a presença alcança e a liberdade em relação a tudo o que nos afasta dela.

A grandeza da prática de Yoga é a liberdade de retirarmos de nós tudo aquilo que nos impele a ser quem não somos, a liberdade de soltarmos a necessidade de concretizar uma expectativa.

A beleza que se encontra na prática de āsanas não reside na forma da postura…mas sim na postura interna que se cria quando se desenha o āsana. A beleza é a aceitação do corpo com as suas potencialidade e limitações, a forma como as emoçõe se integram e a mente, com tudo o que a engrandece ou condiciona.

O corpo que se observa e surge na prática de Yoga é elemental, tem a natureza e os elementos que sustentam a vida. Essa consciência limpa ilumina e faz brilhar toda a existência. Essa é a verdadeira beleza…o reconhecimento de que somos um só com tudo o que existe, com tudo o que nos envolve, com TUDO O QUE É!

“A grandiosa descoberta que parece cósmica, desperta-nos para as simples belezas da vida, que acontecem momento a momento. A existência é
uma grande obra de arte na qual estamos inseridos,
experienciando o caminho com nosso corpo, nossas
emoções e nossa mente. Podemos ser artistas de
nosso quotidiano, nas perfeitas “imperfeições” da vida,
transformando-nos e transformando o mundo nos pequenos
atos e situações que nos surgem dia a dia.”

(Tales Nunes)

Não existe um corpo ideal na prática de āsanas, mas sim um corpo que é perfeito para existirmos nas nossas experiências.

O que existe é a espectacular grandeza dos dias, mágicos, unos e perfeitos no seu equilíbrio, para que possamos partilhar as nossas belezas e limitações.

As disciplinas do Hatha foram criadas para facultar a manifestação da realidade suprema no corpo e na mente humanos e finitos. Neste ponto, o Hatha Yoga expressa o ideal do Tantra, que é o de viver no mundo a plenitude da realização do Si Mesmo, e não o de fugir da vida para chegar à iluminação. O praticante de Hatha Yoga quer construir um ‘corpo divino’ (divya-sharira) ou ‘corpo adamantino’ (vajra-deha) para si mesmo. Não se interessa em obter a iluminação mediante o prolongado descuido do corpo físico. Quer tudo: a realização do Si Mesmo e um corpo transmutado no qual possa gozar do universo manifesto nas suas diversas dimensões.

(Georg Feuerstein)